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Princípios e Boas Práticas em Qualificação de Fornecedores

A qualificação de fornecedores é um processo de qualidade padronizado e contínuo que tem como objetivo a seleção, avaliação e manutenção de fornecedores para que a qualidade de serviços e materiais fornecidos à Indústria Farmacêutica atendam aos requisitos regulatórios e de boas práticas (BPx) necessários para atingir o perfil alvo de qualidade dos produtos.

A padronização desse processo deve ter objetivos claros e assegurar a normalização de práticas, tanto para a avaliação documental quanto para as auditorias in loco; para que um determinado fornecedor seja considerado apto a prestação de serviço ou fornecimento de um material.

O ciclo de vida de fornecedores inclui as etapas de Seleção, Avaliação, Manutenção e Descontinuação dentro de um Programa de Qualificação de Fornecedores. Esse programa deve assegurar a contínua avaliação dos fornecedores aprovados, conforme demonstrado no esquema 1

Esquema 1 – Ciclo de Vida da Qualificação de Fornecedor (Elaborado pelo autor).

A etapa de seleção trata-se de uma prévia do atendimento de requisitos necessários para a inclusão de um determinado fornecedor, geralmente caracterizada pela avaliação da aplicação do material no produto com testes realizados pela equipe de desenvolvimento, pela comprovação do atendimento da especificação e da metodologia analítica do material a ser fornecido e também pelo atendimento legal da empresa, com a verificação de documentos legais que comprovem a situação regular da companhia frente aos órgãos de fiscalização. A situação regular pode ser comprovada por licenças, alvarás e certificados de órgãos como ANVISA, CETESB, IBAMA, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil, Polícia Federal, Exército Brasileiro, Prefeituras Municipais, Conselhos de Classe (CRQ, CRF, CREA, etc.), entre outros.

Para que essa etapa tenha sucesso e seja padronizada no Programa de Qualificação de Fornecedores é necessário que a empresa possua uma lista de documentos necessários para que o fornecedor seja considerado um potencial prestador de serviços ou fornecedor de materiais. Essa lista pode ser dividida por tipo de serviço ou classe de material fornecido, por exemplo: IFA, Excipientes, Serviços de Calibração, Serviços de Análises de Laboratório, Serviços de Manutenção de HVAC, entre outras classificações.

Durante a execução da seleção de material ou serviço, é recomendável a elaboração de uma análise de risco para maior visibilidade das necessidades de qualificação frente ao material ou serviço prospectado, na qual pode inclusive avaliar se o tipo de serviço ou material é crítico e se há necessidade de auditoria in loco para comprovação das BPx. É importante incluir que a execução de uma análise de risco na etapa de seleção passou a ser um requisito obrigatório para a inclusão de Insumos Farmacêuticos Atípicos, conforme preconiza o artigo 376 §3 da RDC 301/2019.

A próxima etapa se refere à avaliação, ou como é comumente tratada: a etapa de qualificar o fornecedor. Com a análise de risco elaborada, seguindo o esquema 2 para decisão sobre auditar in loco, a área de Garantia de Qualidade terá a informação da necessidade de avaliar in loco esse fornecedor ou de avaliá-lo por uma verificação documental.

Esquema 2 – Árvore de decisão sobre auditar in loco (Elaborado pelo autor).

A avaliação documental contempla a avaliação dos documentos coletados na seleção do fornecedor, incluindo a revisão do preenchimento de um questionário de auto avaliação sobre as perspectivas de qualidade, utilidades, instalações, segurança do trabalho, meio-ambiente, entre outros itens aplicáveis. O questionário de auto avaliação é importante pois dará noção sobre quais processos de qualidade estão implantados na empresa e quais são as BPx praticadas, podendo ser previstas falhas ou pontos de atenção, principalmente quanto a devoluções em casos de reprovação de materiais, investigação de desvios, comunicação de alterações e prevenção de contaminações.

Muitas empresas fornecem formulários próprios com a mesma informação requerida em um questionário utilizado com o intuito de conhecer o sistema de qualidade da empresa. Portanto, esses podem ser aceitos pelas empresas desde que as informações e necessidades estejam adequadamente previstas no procedimento de qualificação de fornecedores.

Quando for necessário a auditoria in loco, como é o padrão requerido para fabricantes e distribuidores de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA) previsto no artigo 180 §3 da RDC 301/2019; além de fornecedores de excipientes e serviços entendidos como críticos pela análise de risco realizada; é imprescindível que se tenha estabelecido quais são os itens críticos relacionados àquele fornecimento; uma vez que os procedimentos e tratativas de boas práticas necessárias para a mitigação desses pontos devem ser avaliados in loco.

Por exemplo, ao avaliar um fornecedor de software é imprescindível que seja verificado como o seu fornecedor trata a implementação de mudanças na versão de software; pois se não há um gerenciamento de mudanças devidamente implementado e que inclua a comunicação com os clientes, provavelmente haverá problemas dessa natureza durante o ciclo de vida desse fornecedor devido a falhas detectadas no sistema de qualidade da sua empresa oriundas de uma falha de controle no seu fornecedor.

A verificação de quais são os itens críticos a serem verificados no fornecedor pode ser realizada através uma ferramenta da qualidade chamada Diagrama de espinha de peixe (Ishikawa) na qual são elencadas as possíveis falhas que ocasionarão um material ou serviço defeituoso, conforme esquema 3.

Esquema 3 – Diagrama de Ishikawa – Pontos críticos a serem verificados em fornecedor durante qualificação in loco (Elaborado pelo autor).

Portanto, a auditoria in loco é um meio de avaliar e comprovar que os materiais e serviços atenderão aos requisitos de qualidade de modo que não se tenha futuramente uma grande incidência de desvios reincidentes, materiais reprovados assim como falhas na prestação de serviço e, em casos extremos, impacto direto na qualidade do produto fabricado e, consequentemente, reclamações de mercado.

Todo o processo de qualificação deve ser formal e documentado, inclusive o agendamento, o plano e escopo para a auditoria, relatório de qualificação, planos de ações necessários em casos de não conformidades identificadas nos fornecedores, incluindo também a aprovação formal desse fornecedor. Veja no esquema 4 as sub etapas do processo de in loco.

Esquema 4 – Sub etapas de auditoria in loco (Elaborado pelo autor).

Geralmente na aprovação, os fornecedores podem ser classificados como Aprovados, Aprovados Condicionalmente e Reprovados. Os fornecedores reprovados são aqueles que não cumprem com os principais requisitos de qualidade e, portanto, não estão habilitados para prestação de serviços ou fornecimento de materiais.

Já os fornecedores aprovados condicionalmente, atendem parte dos requisitos de qualidade, mas precisam de melhorias no seu sistema de gestão da qualidade devido a falhas que podem comprometer a qualidade de materiais e/ou serviços. Portanto, ações adicionais precisam ser inclusas como uma requalificação em menor prazo, ou uma auditoria de verificação após a implementação do plano de ações, entre outras ações que podem variar desde acompanhamentos mais frequentes até um bloqueio temporário de fornecimento.

Em teoria, novos fornecedores, não devem ser aprovados com a classificação “condicional”, uma vez que para a inclusão desse fornecedor no programa é necessário que ele atenda plenamente aos requisitos, com um risco mínimo de desvios, para que a qualidade do produto final não seja impactada.

Os prazos de requalificação podem ser estabelecidos a partir do resultado da auditoria conforme exemplo na tabela 1.

Tabela 1 – Prazo para requalificação de fornecedor (Elaborado pelo autor).

Além disso podem existir prazos variáveis de requalificação, levando-se em consideração, além do resultado, o tipo de serviço ou material, conforme exemplos da tabela 2

Tabela 2 – Prazo para requalificação de fornecedor por tipo (Elaborado pelo autor).

Toda a estratégia de prazos e classificações precisam estar baseadas em uma análise de risco que suporte as decisões dentro do Programa de Qualificação de Fornecedores.

É importante que, concomitante a aprovação do fornecedor, seja estabelecido um acordo de qualidade e, em algumas situações especificas e necessárias em serviços, seja contemplado também um contrato formal.

Um item que muitas vezes acaba por esquecido é a qualificação de quem audita. A empresa deve assegurar que a pessoa designada para essa atividade detém conhecimentos necessários sobre a qualidade, cadeia de abastecimento, riscos envolvidos, além do conhecimento em resoluções da ANVISA sobre as BPx aplicáveis. Sendo assim, é recomendável que a empresa mantenha os registros que comprovem a qualificação do seu auditor, seja por descrição de cargos, curriculum vitae do auditor e certificados que comprovem os treinamentos necessários para o exercício dessa atividade.

A terceira etapa do ciclo de vida é caracterizada pela manutenção do status de qualificado desse fornecedor, uma vez que após a sua aprovação é necessário que ele tenha o desempenho avaliado periodicamente assim como sejam conduzidas auditorias de requalificação, de acordo com os prazos estabelecidos no programa.

As avaliações de desempenho, geralmente, ocorrem anualmente e incluem a revisão do histórico de fornecimento, avaliação de mudanças relacionadas ao material/serviço e as instalações do fornecedor, além do registro de reprovações e desvios em materiais.

Uma importante saída dessa manutenção do status é o abreviamento do prazo de requalificação desse fornecedor o qual será necessário para entender e avaliar os impactos de mudanças acumulativas e reincidência de desvios.

É nessa etapa também que pode ser utilizada uma análise de risco para a priorização de auditorias de requalificação in loco. Uma das ferramentas mais usuais para priorização é a GUT, a qual avalia a Gravidade, Urgência e Tendência, sendo fortemente recomendada para priorizar esforços dentro de um programa de qualificação de fornecedores. Vide exemplo na tabela 3.

Tabela 3 – Priorização de Auditorias – GUT (Elaborado pelo autor).

Conforme a tabela 3, o fornecedor A terá prioridade de ser auditado em relação ao B e esse respectivamente ao C. É importante que na construção dessa análise a equipe de avaliação tenha claro como pontuar cada um dos itens (Gravidade, Urgência e Tendência) usando uma escala que varia de 1 a 5 pontos.

Por exemplo, ao priorizar fabricantes de excipientes podemos considerar:

  • A Gravidade, levando-se em consideração a via de administração de um produto;
  • A Urgência, levando-se em consideração o tempo decorrido desde a última qualificação in loco; e
  • A Tendência, levando-se em consideração a quantidade de lotes de matérias-primas recebidas do fornecedor.

Sendo assim, podemos resumir as pontuações possíveis conforme a tabela 4. 

Tabela 4 – Níveis de Pontuação – GUT (Elaborado pelo autor).

Por fim, chegamos à fase de descontinuação do fornecedor que pode ocasionada tanto por uma decisão do fornecedor do material em retirar o item do seu portfólio quanto da empresa por uma reformulação de produto ou cancelamento de registro.

É importante que o processo de descontinuação também seja formal, via controle de mudanças, e que todas os clientes internos (Desenvolvimento, Suprimentos, etc.) tenha ciência que aquele fornecedor deixará de fazer parte de uma lista de fornecedores aprovados; pois inúmeras vezes um fornecedor é descontinuado, porém existem outros materiais/serviços que estão em projeto com a equipe de desenvolvimento da sua empresa e se não houver a comunicação adequada podem ocorrer falhas e retrabalhos.

Quais documentos são necessários para compor um Programa de Qualificação de Fornecedores, pensando no ciclo de vida?

Um programa de qualificação de fornecedores deve ser criado com objetivos claros, sistemática de trabalho e com ações efetivas para o sistema de gestão da qualidade. Portanto, qualquer inclusão, alteração ou exclusão de fornecedor do programa de qualificação deve ser iniciada por um controle de mudanças.

Em grande parte das indústrias, a seleção do fornecedor é realizada pela área de Suprimentos em conjunto com a área de Desenvolvimento, portanto, é fortemente recomendável que se tenha padronizada uma lista de documentos necessários para um determinado tipo de fornecedor, bem como os riscos inerentes aos materiais ou serviços sejam devidamente avaliados por uma equipe multidisciplinar.

As auditorias in loco, em sua grande maioria, são realizadas em pouco tempo, em geral esse tempo varia de um a três dias dependendo do tipo de fornecedor; sendo assim é imprescindível que o tempo destinado para essa atividade seja otimizado com um plano de auditoria no qual estará descrito quais procedimentos / processos e áreas serão avaliados; ou seja, onde deverá ser dispendido esforços e tempo em uma avaliação.

Todo o processo deve ser formal, portanto deve ser emitido um relatório final fidedigno com a avaliação realizada assim como o plano de ações para as não conformidades observadas. Em casos de avaliação documental, é necessário um questionário de auto avaliação preenchido e assinado pelo fornecedor o qual resuma os itens necessários sobre instalações, equipamentos, sistema de qualidade, meio ambiente, segurança do trabalho, entre outros itens que sejam julgados como necessários.

Na manutenção do fornecedor, é importante que haja a lista de fornecedores aprovados e a lista de controle de documentos legais, além da avaliação de desempenho do fornecedor a qual geralmente é realizada anualmente.

Essa etapa também contempla as requalificações de fornecedores e o controle dessas por um Plano de Qualificações ou Cronograma de Auditorias. Para a priorização de auditorias in loco em fornecedores aprovados pode ser realizada uma análise de risco usando a ferramenta GUT, conforme demonstrado anteriormente.

Por fim, a descontinuação de fornecedores pode ser formalizada via memorando ou adendo, após a abertura de Controle de Mudanças.

No esquema 5, segue um resumo sobre o ciclo de vida de fornecedores e dos documentos envolvidos.

Esquema 5 – Ciclo de Vida do Programa de Qualificação de Fornecedores (Elaborado pelo autor).

Conclusão

O programa de qualificação de fornecedores é um dos processos de qualidade que, se bem implementado quanto aos objetivos, sistemática de trabalho e ações efetivas no sistema de gestão da qualidade; contribui efetivamente para a prevenção de desvios e para o aumento da qualidade final dos produtos fabricados, aumentando o valor agregado e reconhecimento do mercado quanto à marca da sua empresa.

Trata-se de uma atividade contínua e com contribuição direta para o desenvolvimento de relacionamento com os fornecedores, melhoria na qualidade de serviços e materiais, gestão de riscos da qualidade, além do aprimoramento e conhecimento de processos que antecedem à fabricação do produto que será comercializado pelas empresas farmacêuticas.

Portanto, a qualificação de fornecedores não pode ser considerada um processo que termina na elaboração do relatório de auditoria do fornecedor ou uma atividade realizada pontualmente com a única finalidade de atendimento regulatório. A Qualificação de Fornecedores é parte fundamental para a prevenção de riscos e desvios de qualidade, além de ser fundamental na melhoria contínua de processos e produtos.

Referências:

  • RDC 301 de 21 de agosto de 2019;
  • Perguntas e Respostas da Consulta Pública 653 de 24 de maio de 2019;
  • IPEC Risk Assessment for Excipient Manufacturers, primeira versão,  2017;
  • ICH Q12 – Technical and Regulatory Considerations for Pharmaceutical Product Lifecycle Management, 20 de novembro de 2019;
  • ICH guideline Q9 on quality risk management – EMA/CHMP/ICH/24235/2006, setembro de 2015;
  • Annex 20 (Quality risk management) – PIC/S, PE 009-14 (Annexes), Julho de 2018;
  • ABNT NBR ISO 19011:2018 – Diretrizes para auditoria de sistemas de gestão, Terceira edição, 20 de dezembro de 2018.

As ideias expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do seu autor.

Rodolfo Andrade Rodrigues é Bacharel em Química com Atribuições Tecnológicas pela Faculdade de São Bernardo (FASB), especialista em Estatística Aplicada, pós-graduando em Desenvolvimento de Pessoas, tem formação em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching e é membro do IQQV (Instituto de Qualidade, Qualificação e Validação) da Daniela Silva. Atua na indústria farmacêutica há mais de 12 anos.

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