guia 33

Guia Nº 33 / 2020 versão 1: Uma avaliação do cenário da validação de sistemas computadorizados

Até o segundo semestre de 2019, as políticas e diretrizes que regiam as indústrias farmacêuticas do Brasil eram definidas frente a Resolução da Diretoria Colegiada RD 17/2010 a qual apresentava de forma compactada todos os 612 artigos os quais regiam as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos. De forma complementar a essa legislação existiam Guias individuais relacionadas aos processos específicos de forma a promover uma melhor base para que as decisões regulatórias, bem como os conceitos funcionais e operacionais fossem embasados e moldados de forma comum entre as diversas instituições existentes no nosso país.

Desde o segundo semestre de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, vem passando por um intenso processo de revisão de suas normas e diretrizes regulamentadoras, principalmente aquelas voltadas para o ambiente industrial farmacêutico que passa nesse momento pelo Novo Marco Regulatório com a implementação de uma nova Resolução da Diretoria Colegiada (RDC 301/2019) que veio acompanhado de 13 Instruções normativas que embasam as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos no Brasil.

As renovações das legislações foram fundamentadas e embasadas nas diretrizes presentes no Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme ou como ficou comumente conhecido PIC/s, que é um esquema de cooperação em inspeção farmacêutica que, mediante um acordo informal e não vinculativo entre as autoridades regulatórias, que encontra-se aberto a toda e qualquer instituição que possua um sistema de inspeção GMP / BPF comparável, compreendendo hoje cerca de 53 autoridades participantes de todo o mundo.

Frente a esse Novo Marco Regulatório, identificamos que alguns dos Guias Orientativos publicados pela agência regulamentadora acabaram ficando com conceitos insuficientes e/ou obsoletos, sendo que em algumas situações a área industrial acabou se vendo sem um embasamento técnico suficiente para se orientar quanto a implementação suas atividades operacionais e funcionais da sua atividade, uma vez que a RDC 301/2019 passou a representar uma evolução considerável de todos os setores relacionados.

Voltando a nossa atenção ao tema de Validação de Sistemas Computadorizados, mesmo possuindo diversos conceitos e diretrizes internacionais relacionadas ao assunto, o Guia de Validação de Sistemas Computadorizados, de Abril/2010, ainda era utilizado como forma de embasamento pelos diversos seguimentos das indústrias Life Science, mesmo que essas diretrizes e parte de seus conceitos ficaram insuficientes para que todos os itens relacionados dentro da Instrução Normativa Nº 43 / 2019 a qual dispõe sobre as Boas práticas de Fabricação complementares as atividade de validação de sistemas computadorizados, a qual foi baseada no Annex 11 do PE 009-14 – Guide to Good Manufacturing Pratice for Medicinal Products, fossem adequadamente atendidos e implementados.

Coincidência ou não, 10 anos após a publicação do primeiro Guia de Validação de Sistemas Computadorizados, a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) surpreende o setor industrial mais uma vez, colocando em vigência no dia 14/04/2020, o mais novo Guia de Validação de Sistemas Computadorizados – Guia Nº 33 / 2020 – versão 1 o qual fica disponível para o processo de contribuições até 12/08/2020, permitindo assim que os profissionais discutam suas ideias e entendimentos relacionados ao documento disponibilizado, mostrando mais uma vez que a agência reguladora quer manter um diálogo constante com os profissionais, de forma que o atendimento das regulamentações sejam efetivamente implementados e não mais impostos.

Conforme referenciado dentro do Guia Nº 33/2020, “Este Guia expressa o entendimento da Anvisa sobre as melhores práticas com relação a procedimentos, rotinas e métodos considerados adequados ao cumprimento de requisitos técnicos ou administrativos exigidos pelos marcos legislativo e regulatório da Agência”. Conceitualmente, a agência informa ainda que o respectivo guia é um “instrumento regulatório não normativo, de caráter recomendatório e não vinculante, sendo, portanto, possível o uso de abordagens alternativas às proposições aqui dispostas, desde que compatíveis com os requisitos relacionados ao caso concreto”.

Sendo assim, o Guia Nº 33/2020 tem como principal objetivo fornecer ao setor regulado embasamento técnico e conceitual relacionado aos fluxos e diretrizes para a correta implementação de um ciclo de vida voltado a validação de sistemas computadorizados, em total conformidade com as diretrizes e recomendações da instrução normativa, bem como promover uma internalização com o GAMP 5, guia esse publicado pelo ISPE que é uma das fontes internacionais e reconhecido como um compêndio oficial pela Anvisa, junto a outras literaturas como o WHO, ICH, PIC/s, EMA etc.

Promovendo uma avaliação geral do guia, podemos destacar a presença de novos conceitos, melhor contextualizados dentro do ciclo de vida de um sistema computadorizado, possibilitando assim que as estratégias sejam definidas e trabalhadas da melhor forma possível pelo setor regulado.

Dentro dos conceitos abordados no novo guia, destacam-se:

  • Base legal – além da RDC 301/2019 e IN Nº 43/2019 e IN Nº 47/2019, o guia passa a abordar também o setor produtor de Insumos Farmacêutico Ativo, regulamentado pela RDC 69/2014. Passa a referenciar também o GAMP e o PE009-14
  • Abordagem do ciclo de vida – fundamenta que as atividades sejam desempenhadas de forma sistemática, abordando desde a concepção até a aposentadoria do sistema, possibilitando assim que esse seja devidamente contemplado dentro de um Sistema de Gerenciamento da Qualidade (SGQ) que permita a melhoria contínua.
  • Gerenciamento do risco – volta a contextualizar que as etapas do gerenciamento de risco devem ser devidamente fundamentadas com embasamento científico, bem como fazendo uso de ferramentas da qualidade, podendo essas serem qualitativas ou quantitativas. Além disso apresenta a necessidade da implementação desse gerenciamento de risco ao longo de todo o ciclo de vida do sistema, devendo esse ser periodicamente reavaliado, levando em consideração etapas descritas dentro do próprio guia
  • Utilização das categorias GAMP – padroniza a classificação do GAMP para componentes de hardware e software, reduzindo assim a duplicidade de conceitos tratados no guia anterior. Dentro desse item o guia aborda ainda o guia internacional do International Conuncil for Harmonisation (ICH) através do Quality Guidelines Q9 (ICH Q9)
  • Reformulação das etapas da validação de sistemas – passa a ser apresentada em harmonia com as diretrizes relacionadas a IN Nº 43/2019, propondo assim uma estratégia de ciclo de vida aplicável aos sistemas pertencentes à categoria 3, 4 e 5 (que concentram grande parte dos sistemas computadorizados hoje no âmbito industrial), deixando claro ainda que essa estratégia deve ser inserida em sua política de validação e/ou plano mestre de validação.
  • Detalhamento da Fase Operacional do sistema – fase relacionada a utilização do sistema computadorizado, essa atividade passa a contar com conceitos individualizados relacionados a atividade, propondo melhor gerenciamento do estado do sistema dentro da rotina da indústria, bem como fornecendo outras providências e estratégias.
  • Migração de dados – fundamenta os registros relacionados ao processo, sendo esse baseados no gerenciamento da qualidade, estratégia do plano de migração de dados e a estratégia para o relatório de migração de dados.
  • Aposentadoria do sistema – passa a ser melhor fundamentada defendendo a ideia de implementação de uma plano e um relatório para a atividade
  • Validação de Planilhas – fundamenta de forma clara o conceito e o impacto gerado por essa atividade, dentro do conceito de ciclo de vida, trazendo estratégias e diretrizes para que sejam garantidas a integridade de dados, segurança do paciente e qualidade do produto.

Mesmo contando com suas 104 páginas e 16 itens técnicos expondo diversas estratégias e atividades a serem contempladas dentro do âmbito da validação de sistemas computadorizados, o novo guia de validação de sistemas computadorizados não apresentou de forma clara a condição de avaliação e/ou implementação do processo de validação de sistemas computadorizados voltado aos sistemas que já encontram-se em utilização dentro das indústrias, que receberam uma denominação com “Sistemas Legados”, uma vez que nem sempre esses sistemas possibilitam o atendimento e implementação da estratégia de ciclo de vida proposta no documento.

Outro tema que não vem descrito dentro do guia este relacionado a implementação de uma qualificação de infraestrutura da área de tecnologia de informação, que vem sendo solicitado dentro do Art. 6° da IN Nº 43, o que impossibilita que essa atividade seja devidamente implementada e comprovada frente a norma regulamentadora.

Outro item que não é apresentado dentro do Guia 33/2020 está relacionado a estrutura e conceitos relacionados as estratégias a serem aplicadas aos sistemas computadorizados que não atendem de forma integral os requisitos regulatórios solicitados na normativa, que anteriormente eram tratados e defendidos pelas “Estratégias de Mitigação” dos sistemas, defendendo essas atividades com rotinas, políticas e procedimentos que visam minimizar os riscos, mesmo que os sistemas não atendam às BPF.

Contextualizando de forma geral, esses são itens que poderiam ser contemplados e inseridos dentro das contribuições do Guia Nº 33/2020, possibilitando assim que eles sejam devidamente trabalhados e desenvolvidos dentro das instituições reguladas e que essas estratégias sejam padronizadas.

Referências:

  • ANVISA; Guia N° 33 / 2020 – Guia de Validação de Sistemas Computadorizados – Abril / 2020;
  • ANVISA; Resolução – RDC nº 301, de 21 de agosto de 2019;
  • ANVISA; Instrução Normativa – IN nº 43, de 21 de agosto de 2019;
  • GAMP 5 – A Risk-Based Approach to Compliant GxP Computerized Systems
  • PIC/S Guidance on Good Practices for Computerized Systems in Regulated “GxP” Environments (PI 011- 3)
  • ANVISA; Resolução – RDC n° 17, de 16 de abril de 2010;
  • ANVISA, Guia de Validação de Sistemas Computadorizados – Abril / 2010
  • ICH Harmonised Guideline – Quality Risk Management Q9 – 9 November 2005

Escrito por:

Saulo Dias Abreu: Farmacêutico Generalista formado pela Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, campus Juiz de Fora – MG. Atua na área industrial farmacêutica desde 2011, atuando dentro da Garantia da Qualidade com foco principal voltado para as atividades de Qualificação e Validação. Trabalha hoje focado nas atividades de Validação de Sistemas Computadorizados dentro das indústrias Life Science sendo esse participante ativo dos grupos de Mentoria Premium, Platinun e do Instituto de Qualidade, Qualificação e Validação (IQQV) de Daniela Silva.

Tags: , , , , , ,


Publicidade