Qualidade de Vapor para autoclaves – O fim do período de adequação.
Categoria: Artigo, Blog, qualificação, validação
Artigo escrito por: Fernando Mota
Este artigo foi pensado para ajudar você que busca informações para entender e aplicar os conceitos para os testes de análise de qualidade de vapor para autoclaves, segundo a EN 285 e atendendo as normas IN 35 e RDC 301/19.
Agora, um ano depois da publicação da norma, quais os desafios a serem enfrentados?
O Início
Era próximo de agosto de 2019 quando lá estava eu lendo o “Draft” do que seria a IN 35 – Medicamentos Estéreis, neste documento havia o seguinte artigo: “Art. XXX. Deve-se assegurar que o vapor usado para a esterilização seja de qualidade adequada e não contenha um nível de aditivos que possa causar contaminação dos materiais a serem esterilizados”.
A Princípio, foi pensado que se tratava de análise de vapor puro, onde seriam avaliados resultados de TOC (carbono orgânico total), condutividade e contagem microbiológica nos pontos de uso (tal qual pontos de água WFI). Mas não se tratava disso. Muitas pessoas não entenderam esta parte do artigo, e o mesmo foi questionado no campo de perguntas e respostas da época, com isso, obteve-se a seguinte resposta:
“O que é Qualidade Adequada nesse artigo? R: Refere-se à qualidade adequada para utilização em autoclave. As empresas devem observar como referência técnica, por exemplo, a EN 285. Os seguintes parâmetros devem ser testados no vapor utilizado para autoclave:
• Gases não condensáveis – Critério de aceitação = ≤ 3,5% de gases carregados
• Vapor superquente – Critério de aceitação = não superior a 25°C
• Secura do vapor (Título) – Critério de aceitação = >0.95 w/w (ou 95% de vapor saturado)”
Ficou claro que não se tratava de nada relacionado a vapor puro, mas e agora, com os testes necessários e os critérios de aceitação descritos, como afinal podemos realizar estes testes? O que isso implica no processo de esterilização?
De início, a primeira coisa que fiz foi ler a EN285 – STERILIZATION – STEAM STERILIZERS – LARGE STERILIZERS, norma europeia para esterilizadores a vapor. Esta norma possui descrições detalhada dos testes a serem executados, os instrumentos que podem ser utilizados, critérios, etc.
Desta forma, é possível identificar que os testes de qualidade de vapor são direcionados a qualidade do gerador de vapor e não a autoclave em si. Se aplica em todas as autoclaves que possuem gerador de vapor próprio, ou são alimentados por gerador/caldeira externa
Dito isto, é possível avaliar que é muito complexo e oneroso comprar/fazer os aparatos de teste e padrões para realização dos ensaios. Sendo assim, se torna mais viável a contratação de uma empresa terceirizada para a realização dos testes.
A norma RDC 301, junto com a Instrução Normativa 35 entram em vigor em agosto de 2019
O próximo passo seria planejar quando seriam executados os testes. É necessária uma pesquisa no mercado, identificando empresas que executam o serviço de análise de qualidade de vapor.
Porém, fazendo a leitura da IN 35, fica claro que a qualidade de vapor seria melhor avaliada como um pré-requisito para a realização da qualificação térmica da autoclave (da mesma forma que é tratada a calibração dos instrumentos, por exemplo) e não apenas como testes a serem realizados de forma isolada. Faça o orçamento de acordo com a quantidade de equipamentos a serem avaliados. Os testes são realizados de forma unitária, um para cada autoclave/gerador.
Nota: Apenas como curiosidade, apesar do período de transitoriedade de um ano sobre a realização dos testes de qualidade de vapor previstas na IN 35, fui questionado em auditoria realizada em outubro/19 sobre os testes de qualidade de vapor, desta forma, foi preciso apresentar aos auditores um cronograma de testes previsto para janeiro/2020, bem como, o orçamento da empresa terceirizada. Tenha isso em mente para uma possível auditoria.
Preparação para a execução dos testes de qualidade de vapor.
Antes da execução dos testes de vapor, geralmente ocorre a uma visita de um técnico responsável da empresa terceira. Neste encontro, ocorrem orientações sobre a preparação das autoclaves para execução dos ensaios.
Abaixo seguem algumas orientações comuns para realização dos testes:
– As ferramentas e aparatos de testes devem estar instalados no ponto mais próximo da entrada de vapor na autoclave (alimentação de vapor da câmara externa). É necessário um local plano, com tubulação com possibilidade de desmontagem e remontagem, para inserção de sensores.
– Atenção e cuidado quanto a alta temperatura das tubulações durante a montagem do aparato de testes. O sistema de alimentação de vapor não deve apresentar vazamentos, caso isso ocorra, pode prejudicar os resultados encontrados.
– Os testes de qualidade de vapor são executados quando a autoclave está na fase de esterilização, onde o vapor da câmara externa alimenta a câmara interna. Assim, escolha ciclos de esterilização com duração mais longa, permitindo assim, maior tempo para execução e avaliação dos testes, com isso, temos oportunidade de repetição de amostragens.
A figura abaixo mostra exemplos de gerador externo (vapor puro) e gerador interno acoplado em uma autoclave.
Figura 1 – Exemplos de gerador de vapor externo e gerador próprio acoplado a autoclave.
Qualidade de vapor nas Autoclaves.
Durante a execução dos testes de qualidade de vapor, acompanhando o técnico responsável, é possível aprender um pouco sobre a importância de cada ensaio realizado:
• Vapor superquente – Teste com resultados mais fáceis de se alcançar – Um sensor é alocado próximo da entrada de vapor da autoclave. A temperatura apurada é comparada com a temperatura de saturação do vapor. Na prática, em casos raros, este vapor transmite muito calor sensível, ou seja, em vez de vapor saturado para esterilização, temos um superaquecimento que “fritaria” os materiais dentro da autoclave, assim danificando a carga ao invés de esterilizá-la. Como visto na norma EN285, a temperatura no sensor na entrada da autoclave não pode superar 25°C da temperatura do vapor gerado.
• Secura do vapor (Título de vapor) – Apresenta certas dificuldades de alcançar os critérios de aceitação – Este teste, na prática, avalia a quantidade de “condensado” presente no vapor de entrada da autoclave. Um vapor muito “molhado” não tem a mesma qualidade de esterilização que o vapor 95% saturado.
• Gases não condensáveis – Teste mais complicado de atender aos critérios – Durante a geração de vapor, ocorre a “fervura” da água para a formação do mesmo. Essa água (abastecida pela rede de distribuição ou por sistemas de água purificadas) pode conter outros gases atrelados, além do simples H2O. Estes gases “ocupam” o espaço que deveria ser apenas vapor saturado, com isso, temos o risco de isolar termicamente algum material, (o gás presente isola o material, não realizando a esterilização) resultando em um ineficiente processo de autoclavação.
Resultados encontrados e tratativas
Após a realização dos testes, é importante avaliar e reportar os valores de pressão de alimentação de vapor fornecidos pelo gerador. Estas informações são necessárias para a manter manutenção da qualidade de esterilização até o próximo ensaio de qualidade de vapor.
Os Testes de qualidade de vapor devem ser executados periodicamente, pois avaliam o comportamento do gerador de vapor e da água que abastece o mesmo (minha sugestão é sempre realizar antes dos estudos de qualificação térmica das autoclaves). Os testes garantem que o vapor utilizado não é um causador de problemas de esterilização das cargas (caso ocorram desvios na qualificação térmica, por exemplo).
As empresas terceiras costumam fornecer os resultados dos testes de qualidade de vapor na forma de certificados de aprovação para cada autoclave. Estes certificados podem ser anexados junto aos protocolos de qualificação térmica, sendo utilizados como evidência da execução e comprovação da qualidade de vapor antes dos estudos de qualificação.
Nota: Os custos dos testes são cobrados para cada autoclave, sendo assim, tenha isso em mente durante a preparação dos orçamentos anuais de qualificação/calibração.
Transitoriedade de execução e correção de equipamentos
Em agosto/2020 terminou o prazo de transitoriedade para execução dos testes e adequação das autoclaves para qualidade de vapor. Com isso, acredito que as autoridades reguladoras não aceitarão a não-execução dos testes e/ou resultados que não atendam os critérios de aceitação. Sendo assim, não espere a cobrança dos auditores, façam as análises em seus equipamentos.
Devem existir planos de mitigação de resultados fora das especificações. Uma análise de risco bem elaborada é fundamental. Apenas uma boa equipe multidisciplinar pode identificar os pontos de melhoria nos equipamentos e efetuar ações de correção nas autovlaves. Segue abaixo alguns exemplos:
– O aumento de pressão de vapor liberado pelo gerador, pode ajudar a resolver problemas com título de vapor.
– Uso de aquecedores de água, podem ajudar a resolver problemas com gases não condessáveis.
– A resolução de vazamentos em tubulação, pode ajudar a resolver problemas com superaquecimento.
Conclusão
Um bom sistema de manutenção preventiva e corretiva é fundamental para gantir o correto funcionamento das autoclaves. Após os testes de qualidade de vapor, é muito importante o controle dos atibutos de pressão e temperatura para manutenção do status de aprovação do vapor. Manutenções corretivas no gerador de vapor podem indicar a necessidade de repetição dos ensaios de vapor. Tenha isso mapeado dentro da sua avaliação de manutenção.
Por fim, os testes de qualidade de vapor são e serão muito úteis para justificar uma possível subistituição de autoclave, uma vez que o equipamento não atenda aos critérios de aceitação, ou por eles serem muito antigos, ou por utilizarem tecnologias de geração de vapor não condizentes com as necessidades atuais.
Bom por hora é isso, foi um ano bem atribulado do ponto de vista regulatório com revisão de normas e INs, mas acredito que esse é um caminho sem volta em direção à melhoria contínua da qualidade dos nossos produtos, e principalmente, à evolução para a saúde dos nossos pacientes, esse sempre é nosso principal objetivo.
Para encerrar, uma frase de inspiração:
Na era onde “conhecimento é poder”, quem ensina o que sabe, empodera o mundo.
Muito obrigado.
Referências Bibliográficas:
– RDC 301 – “Diretrizes Gerais de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos – Anvisa 2019;
– IN 35 – Boas Práticas de Fabricação complementares a Medicamentos Estéreis – Anvisa 2019;
– BS EN 285:2015 – Sterilization. Steam sterilizers. Large sterilizers – BRITISH STANDARD – 2015.
Quem é Fernando Mota?
Fernando é analista de qualificação/validação responsável pela manutenção dos cronogramas de qualificação de sistemas de Ar, sistemas de gases limpos (ar comprimido e nitrogênio) e equipamentos térmicos.
– Ele possui mais de 15 anos de experiencia na área de qualidade em indústrias farmacêuticas e cosméticas.
– Graduado em farmácia Bioquímica pela universidade bandeirante de São Paulo e pós-graduado em gestão industrial farmacêutica pela universidade de São Caetano do Sul.
– Participante ativo dos grupos de Mentoria Premium, Platinum e do Instituto de Qualidade, Qualificação e Validação (IQQV) de Daniela Silva.